segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Sentença

No início, apenas estavam presentes, na escura sala de audiências, cinco pessoas, cada uma na sua função específica: o queixoso e a sua advogada, a representante do réu e o causídico acompanhante, o escrivão e o respectivo computador, cujo teclado se sentia ser demasiado grande para a velocidade dos dois dedos utilizados. Talvez tivesse sido digitada a data quando, vinda do lado de lá da porta fechada, surgiu a figura imponente da juíza que iria dirimir a questão em julgamento.

Apenas duas pessoas usavam um fato dito normal, enquanto os insignes representantes da lei e da ordem exibiam as suas longas togas pretas, intimidantes e exemplares exibidoras de mau gosto. A audiência começa com a dissertação da juíza sobre o que estava em causa e com as advertências para o comportamento na sala, condição necessária para que ali se pudesse permanecer, e suficiente para que ficassem reunidas as condições para uma sentença justa. 

Começa, formalmente, a audiência. A juíza questiona a representante do réu, colocando-lhe perguntas directas sobre o assunto em julgamento. A senhora, visivelmente nervosa, começa a debitar um chorrilho de asneiras, encomendadas e destinadas a defender o indefensável, que ela própria tinha consciência de não corresponderem à verdade e nas quais nem sequer deveria acreditar. O queixoso, perante tais aleivosias, abana a cabeça, exibindo a sua discordância.

- O queixoso não se pode manifestar, clamou a juíza num tom de voz autoritário, do alto do seu pedestal e cumprindo as regras ditadas no início.

O sacrifício foi grande mas, até ao fim, nem um dedo sequer se mexeu, nem para coçar a orelha.

A audiência foi encerrada e a decisão marcada para algumas semanas depois. A sentença contemplou a razão e nela não constava qualquer alusão à manifestação corporal do queixoso. 

Sem comentários: