sexta-feira, 8 de maio de 2020

Culinária

Era uma tia-avó, velha, que vivia na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa, há muitos anos. Tinha perdido o marido muito nova e permanecia viúva, sem filhos.
Vinha ao Oeste visitar os sobrinhos uma, duas vezes por ano, sempre com alguma altivez da capital para com os "coitados" que permaneciam na província.
Nesse ano veio passar a Páscoa e foi convidada para o almoço no Domingo da dita.
- Vê lá o que arranjas. Olha que ela não gosta de borrego.
- Não te preocupes. Alguma coisa se há-de arranjar.
Chegou o dia e, como era de bom tom, fomos todos festejar a sua entrada na nossa casa, dar-lhe as boas-vindas e receber o pacotinho de amêndoas, pequenino, com que nos brindou.
- Então que fizeste para o almoço? Espero que não te tenhas esquecido que não gosto de borrego.
- Claro que não, tia. Fiz um cabritinho, que espero esteja ao seu gosto.
O almoço correu bem, a tia comeu e bebeu e ninguém se desmanchou.
- O teu cabrito estava divinal. Gostei muitíssimo, obrigado.
Vieram as despedidas e, de novo, as referências elogiosas ao cabrito, com a indicação de, para a próxima vez
- Hás-de fazer de novo, gostei muito e quero repetir.

A minha mãe, que faz(fazia) hoje 97 anos, foi a cozinheira desta refeição e ensinou-nos que, afinal, o cabrito pode ser borrego e que, mesmo os mais convencidos, nunca sabem tudo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei de recordar. Um dia destes, havemos de dialogar sobre este texto. Lembra-me.