quarta-feira, 20 de maio de 2020

Mirones no Parque


                                     

Ninguém na cidade ignora onde é, toda a gente o conhece e não tem qualquer dificuldade em indicar o caminho que a ele leva. Pode haver, e há, outros parques na cidade: das merendas, de jogos, jardins, a Mata Rainha D. Leonor, mas o Parque nem de nome precisa, embora o tenha (Parque D. Carlos I).

O Parque é um paraíso. 
A sua beleza é de tal modo ofuscante que muitos de nós nem reparam nisso. É tão natural olhar o lago, ver os pavilhões que em breve serão hotel, passear pelas áleas e visitar o Museu de José Malhoa, espreitar o ténis, tropeçar com os pombos e (agora) com os pavões, sentir os pássaros a chilrear nas árvores enormes, dar pão aos peixes, ser afectado pelos poléns, usufruir de tudo que achamos tão natural e tão nosso.
Tempos houve em que uma ida ao parque significava brincar com os amigos, andar de bicicleta alugada, ir à ilha, fazer corridas até ao busto do Bordalo, jogar ao ring com as colegas, roubar um beijo fugaz e conseguir, de vez em quando, uma companhia para sentar num daqueles bancos de madeira, vermelhos, bem enquadrados entre dois plátanos "gordos", que garantiam a privacidade e a detecção de qualquer intruso inoportuno. O entusiasmo e a pressa faziam com que se descurasse a parte de trás, protegida pela sebe de buxo e que, por isso, parecia não permitir que alguém importunasse.
Não era verdade. Por vezes, apareciam por ali uns mirones que se regalavam a espreitar o que os jovens sentados e distraídos estavam a fazer. Quando eram detectados, usavam a argumentação bacoca sobre a moral e os bons costumes, a falta de educação, as parvoíces que se imaginam para quem só podia ser ... parvo.
Nunca os esqueci. A maior parte já por cá não está mas, de vez em quando, ainda me cruzo com um, já trôpego, mas a quem não consigo olhar sem sentir asco por coisas passadas há mais de meio século. 

1 comentário:

Anónimo disse...

O parque também será, cada vez mais, um belo local para os "moços de outrora" passearem a velhice, nestes tempos estranhos de confinamento.