segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Barraca

Já por aqui falei dele, a propósito da sua eloquência com as flores, que adorava e tratava com um carinho inigualável.

Mimoso de apelido e Mário de nome, apenas estas duas palavras o identificavam. Nome curto tal como o tempo que a vida lhe reservou. Era homem humilde, quase analfabeto, mas sempre com uma graça, mesmo nas situações mais bizarras. O colete fazia parte da sua indumentária e trazia, preso no botão do meio por uma corrente, um relógio "cebola" no bolso do lado esquerdo. O colete acompanhava-o por todo o jardim e era pendurado no arbusto ou na árvore que estivesse mais perto do sítio onde decorria o  trabalho. Cabia-lhe a missão de tocar o sino e, por isso, tinha de ter horas certas e sempre à mão.

O jardim era (e é) enorme. Uma casa de madeira, com dois pisos, era o suporte logístico de todas as tarefas que por ali se desenvolviam. Era conhecida por todos como "A barraca do Mimoso". No rés-do-chão guardavam-se as ferramentas e os adubos. Havia uma mesa, grande e vários bancos, tudo de madeira maciça e sem uma ponta de caruncho. Era utilizada para os almoços e as merendas de quem ia trabalhar ao jardim, nos períodos de maior afã. O primeiro andar era a "estufa". Era lá que o Mimoso mantinha os vasos com as flores mais sensíveis, que só apareciam em ocasiões especiais, nomeadamente quando havia visitas importantes e o jardim tinha de ser apresentado num "brinquinho", para ser usufruído e gabado.

Sempre que o S. Pedro se lembrava de mandar chuva, o jardineiro, que dizia não ter "horta nas costas", acrescentava com um sorriso malandreco:

- Vai prá barraca, Mimoso!

E resguardava-se, sentado no banquinho, à espera que o tempo melhorasse. É o que tenho feito nestes últimos tempos, mesmo sem chuva: uma volta ou volta e meia e, recordando, digo para mim ou para quem está perto:

- Vai prá barraca, mimoso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um mimo!