segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Japão

Em meados da década de oitenta do século passado fiz um curso de gestão no Instituto de Formação Bancária, que funcionava em Lisboa, na Avenida 5 de Outubro. O Instituto tinha sido fundado em 1980 e o curso destinava-se a jovens quadros bancários, como eu era nessa época. Durante oito meses, conjuntamente com mais 14 colegas oriundos de várias partes do país e de diversos Bancos, passei três dias de cada semana na capital e, em muitas delas, os cinco, das nove até às dezoito. A exigência era grande, havia professores "residentes" e muitas personalidades convidadas para leccionar. Um dos convidados era o Professor Herlander Estrela, que nos dava, se a memória não atraiçoa, Organização Económica. Numa das suas aulas, sempre aliciantes e muito participadas, falava ele da organização do Japão e, a páginas tantas, de chofre, perguntou à plateia:

- Sabeis qual a diferença entre os japoneses e nós, portugueses?

Ninguém comentou e ele esclareceu:

- No Japão, se alguém se dirigir a um grupo de pessoas indagando o caminho para determinado sítio, verá o grupo conferenciar entre si, decidir e, depois, um deles destacar-se e transmitir as indicações necessárias. A mesma situação, por cá, resulta sempre num emaranhado de hipóteses, disparadas por todos ao mesmo tempo, e o pobre coitado, que precisa de ajuda, fica entregue a si próprio.

Nunca mais me esqueci. Ontem, quando lia a revista do Expresso de sábado, que esta semana saiu, uma vez mais, à sexta, deparei-me com a "Pluma Caprichosa", de Clara Ferreira Alves,  a dissertar sobre a vida no Japão e a confirmar a organização e as diferenças que o Professor Herlander Estrela me assinalou e ensinou no século passado.

(...)Os japoneses fazem extensos piqueniques durante a estação das cerejeiras em flor e quando se levantam nem um papel ou plástico ficou na relva. Nada se deita para o chão porque o chão faz parte da natureza, do espaço público e da estética da cidade. Tóquio está impecável, tão impecável que nem se percebe como e quando o lixo é recolhido. Quando um estrangeiro desobedece às regras não escritas, por exemplo, colocando um detrito no recetáculo errado, a reprovação é feita com o olhar. O japonês emenda o ato e muda ele mesmo o lixo para outro recetáculo. Aconteceu-me, por descuido lancei um plástico num recetáculo de papel. Um japonês foi buscar o detrito e colocou-o no sítio certo.

Para quem vai de um país desleixado e habituado à constante improvisação e desculpa, à batotice e à mentira para camuflar o erro ou a falta, visitar Tóquio é um exercício de distensão. Não se pode improvisar. Tudo está pensado. Tudo está planeado e se soubermos o que vamos encontrar, nada corre mal. O coletivo exige inteligência e rigor individual, planeamento e propósito. (...)

Compreendo. Lembrei-me disto ao ver um grupo muito português de motoristas de transportes públicos a falarem uns com os outros, no Parque Eduardo VII de Lisboa, onde estacionam as camionetas (o parque é o estacionamento?), ostensivamente sem máscaras. Ao ver um grupo de motoristas de táxis desocupados falarem uns com os outros, sem máscaras. Tão simples, usar máscara quando não há distância. E nem isto conseguimos fazer.

1 comentário:

Anónimo disse...

Todos nós devíamos ir ao Japão para vermos e aprendermos como as regras são respeitadas e cumpridas, sem esforço. Começa-se de pequenino.