sábado, 28 de novembro de 2020

Organização

Nada me move contra o PCP, antes pelo contrário. Habituei-me, desde novo, a respeitar a enorme luta do partido contra a ditadura e perfilho a opinião expressa por Melo Antunes que, no final do dia 25 de Novembro de 1975, para calar algumas vozes que chegavam com pressa de voltar ao antigo, esclareceu, sem papas na língua, que 
"O Partido Comunista é indispensável à democracia"

Podia não ser necessário mas, à cautela, o melhor era clarificar, calando idiotices que pairassem nalgumas cabeças. Nos últimos dias, o PC tem sido notícia em todos os orgãos de comunicação social, por virtude de realizar o seu Congresso, apesar da pandemia, ainda por cima num concelho - Loures - muito fustigado pelos números e com confinamento obrigatório. Os comentadores não se cansam de bradar  que, apesar de não ser ilegal, o Partido devia dar o exemplo e não o realizar nestas condições. A tudo isso, o PC responde com o que considera serem ataques à liberdade e dizendo que a sua organização fará cumprir todas as regras da DGS, não expondo ninguém a qualquer risco, quer no interior quer no exterior do pavilhão onde a reunião magna se realiza. 

A organização que o PC reivindica, e pratica, lembrou-me uma estória, muito "reaça", ouvida nos tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso), há quase meio século.

Dois amigos encontram-se no centro da capital e um deles, mal vestido, magricela, lamenta-se ao outro, a quem já não via há alguns meses.

- Estou muito mal. A vida não tem corrido bem e as dificuldades são muitas. Nem sequer consigo comprar umas botas para substituir estas alpargatas, todas rotas. As botas são caras e o dinheiro mal chega para a bucha.

- Não te posso ajudar. Também tenho dificuldades. Mas ouvi dizer que ali, no PC, dão botas a toda a gente. Vai lá!

E foi. Bateu à porta e uma voz solícita, cumprimentou:

- Bom dia, camarada. Em que posso ajudar?

- Ouvi dizer que aqui davam botas e eu necessito tanto de umas, disse, exibindo as alpargatas rotas.

- É verdade. E o camarada quer pretas ou castanhas?

De sorriso aberto e já a sonhar com umas botas novas, respondeu:

- Se me dá à escolha, prefiro castanhas.

- Então dirija-se ali àquela porta. 

- Bom dia, camarada. Eu queria umas botas castanhas, por favor.

- De cano alto ou cano baixo?

Mais um sorriso e a resposta pronta:

- Cano alto!

 - Ali, naquela porta à esquerda.

A satisfação era visível quando cumprimentou mais um camarada.

- Bom dia, camarada. Eu queria umas botas, castanhas, de cano alto.

- Com fecho ou sem fecho?

- Com fecho, claro, que já estou a ficar velhote!

- Então é ali, naquela porta ao fundo.

- Bom dia, camarada. Queria umas botas, castanhas, de cano alto e com fecho.

- De salto alto ou rasas?

- De salto alto, que pequeno já eu sou!

- Ali, naquela porta à direita.

Abriu a porta indicada e achou-se na rua, de novo junto ao amigo que lhe dera as indicações.

- Então, deram-te as botas?

- Dar não deram, mas lá organizados são eles!  

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