quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Cão mole

Era um buldogue pachorrento e muito dorminhoco. Passava mais tempo deitado nas sombras do que a andar. Ao mínimo movimento por perto, abria um olho para reconhecer se a visita era conhecida, fechando-o de imediato após confirmar. Se não era dali, levantava-se, calmamente, aproximava-se, cheirava como que certificando que vinham por bem e voltava ao poiso de onde tinha saído.

Era enorme e dava pelo nome de Bob. A baba escorria-lhe da boca em quantidade e a língua estava quase sempre de fora. Parecia cansado, arfando de forma bem audível e movimentando-se em câmara lenta. Não fazia mal nem às moscas que, por vezes, passeavam pelo seu lombo castanho, bem nutrido. Passeava pelo jardim, mergulhava na piscina se não houvesse ninguém por perto a ralhar-lhe, deitava-se debaixo dum buxo ou no meio dos fetos, sempre numa mansidão de gestos que quase afligia. Os melros, os piscos, as felosas, os pardais e as, poucas, perdizes que por vezes apareciam, podiam estar junto a ele que nem se mexia.

Como ninguém é perfeito, o Bob tinha um ódio de estimação a gatos. Estes, talvez avisados, raramente por lá andavam. Se, porventura, isso acontecia, era quase certo que já não saíam pelas suas patas. Aquele corpanzil mole e dolente adquiria uma elasticidade e uma velocidade que ninguém imaginava pudesse ter.

O gato era apanhado a meio, o Bob abanava a cabeça duas ou três vezes, abria a boca e o que, até ali, era um gato, passava a ser apenas um corpo morto a pedir sepultura. 

Morreu de velho, o Bob. Quase no fim, já sem elasticidade nem força, as orelhas ainda se levantavam de cada vez que um bichano mais atrevido rondava os seus domínios.

Dizia-se que, lá no fundo, o Bob nem se apercebia do mal que fazia. Ele era tão bom e tão meigo ...

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