DEZ RÉIS DE ESPERANÇA
Se não fosse esta certezaque nem sei de onde me vem,não comia, nem bebia,nem falava com ninguém.Acocorava-me a um canto,no mais escuro que houvesse,punha os joelhos à bocae viesse o que viesse.Não fossem os olhos grandesdo ingénuo adolescente,a chuva das penas brancasa cair impertinente,aquele incógnito rosto,pintado em tons de aguarela,que sonha no frio encostoda vidraça da janela,não fosse a imensa piedadedos homens que não cresceram,que ouviram, viram, ouviram,viram, e não perceberam,essas máscaras selectas,antologia do espanto,flores sem caule, flutuandono pranto do desencanto,se não fosse a fome e a sededessa humanidade exangue,roía as unhas e os dedosaté os fazer em sangue.Poesias Completas (1956-1967)António GedeãoPortugália (1975)
Nota: O meu filho, invejoso, entra hoje na "casa dos enta", "moradia" onde já está a irmã há algum tempo. Não se diz quanto, porque nunca se deve revelar a idade das senhoras. Esta entrada significa que, dos que me restam, já só os netos permanecem lá fora!
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