"(...) Ouvi as vozes quando eles entraram, as mesmas que qualquer um ouviria, mas na minha cabeça elas se amplificavam, se confundiam, se tornavam independentes dos corpos. Às vezes, eu distinguia a voz de uma mulher perguntando como eu estava, se podiam entrar, afirmando, não queremos incomodar, mas as vozes masculinas se misturavam, eu não conseguia determinar quem dizia o quê.
Em fila, vi primeiro o homem mais velho, que sentou à escrivaninha. Depois, uma mulher com o cabelo até à cintura, de chapinha, que se acomodou na beira da cama, quase sobre os meus pés. Em seguida, dois homens, um deles muito musculoso. Essa era a equipe que acompanharia o meu caso.
Pedi aos meus pais que saíssem, não conseguiria ser objetiva com eles por perto, enquanto Diana ficou fumando um cigarro à janela. A mulher explicou que me faria várias perguntas, sei que é um processo doloroso, mas preciso do máximo de detalhes para chegar ao agressor. Um dos homens que estava em pé se apresentou como escrivão e perguntou se poderia sentar. Era a mulher quem direcionava a conversa e ela me informou que o homem à escrivaninha faria um retrato falado.
Eu os chamo homens e mulher porque, embora soubesse o nome deles, agora sou incapaz de lembrar. A precisão que me pediram naquelas horas, e da qual eu me julgava capaz, foi se perdendo dia após dia.
Quando o escrivão sentou, percebi que ele tinha uma arma. Quando a mulher se levantou para ir ao banheiro, observei que ela também tinha uma. Presumi que o homem musculoso encostado à parede portava a dele. Tive que me controlar para não entrar em pânico, repetindo, por trás das frases que eu dizia em voz alta, a frase: Eles estão aqui para me proteger, eles são a polícia, não os bandidos.(...)"
Tatiana Salem Levy
Elsinore (2021)
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