terça-feira, 28 de setembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Ouvi as vozes quando eles entraram, as mesmas que qualquer um ouviria, mas na minha cabeça elas se amplificavam, se confundiam, se tornavam independentes dos corpos. Às vezes, eu distinguia a voz de uma mulher perguntando como eu estava, se podiam entrar, afirmando, não queremos incomodar, mas as vozes masculinas se misturavam, eu não conseguia determinar quem dizia o quê.

Em fila, vi primeiro o homem mais velho, que sentou à escrivaninha. Depois, uma mulher com o cabelo até à cintura, de chapinha, que se acomodou na beira da cama, quase sobre os meus pés. Em seguida, dois homens, um deles muito musculoso. Essa era a equipe que acompanharia o meu caso.

Pedi aos meus pais que saíssem, não conseguiria ser objetiva com eles por perto, enquanto Diana ficou fumando um cigarro à janela. A mulher explicou que me faria várias perguntas, sei que é um processo doloroso, mas preciso do máximo de detalhes para chegar ao agressor. Um dos homens que estava em pé se apresentou como escrivão e perguntou se poderia sentar. Era a mulher quem direcionava a conversa e ela me informou que o homem à escrivaninha faria um retrato falado.

Eu os chamo homens e mulher porque, embora soubesse o nome deles, agora sou incapaz de lembrar. A precisão que me pediram naquelas horas, e da qual eu me julgava capaz, foi se perdendo dia após dia.

Quando o escrivão sentou, percebi que ele tinha uma arma. Quando a mulher se levantou para ir ao banheiro, observei que ela também tinha uma. Presumi que o homem musculoso encostado à parede portava a dele. Tive que me controlar para não entrar em pânico, repetindo, por trás das frases que eu dizia em voz alta, a frase: Eles estão aqui para me proteger, eles são a polícia, não os bandidos.(...)"

Vista chinesa
Tatiana Salem Levy
Elsinore (2021)

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