sexta-feira, 15 de julho de 2022

A arder

Os incêndios têm assolado todo o país. Fazem primeiras páginas, abrem e fecham telejornais, dão protagonismo a gente que, se preciso for, se coloca em bicos de pés apenas para trinta segundos de fama e exibição. Surgem soluções miraculosas, apontam-se caminhos, replicam-se estratégias, tudo igualzinho ao que se ouve há vários anos.

"Acabou" a guerra, a esperada inflação foi subtraída, os fundos da "bazuca" resguardados no cofre, as tricas políticas perderam protagonismo, cessa "tudo que a antiga musa canta / que outro valor mais alto se alevanta".

É o fogo, a lavrar por sítios de acessos dificílimos, escassez de tudo, com operacionais cansados, ausência de meios aéreos, pânico entre os que sentem as chamas incontroláveis a chegar e o repórter a incomodar, rescaldos, o fumo vê-se bem daqui como mostra o nosso operador, a chama está a consumir esta acácia que tem mais de quatro metros de altura, o vento mudou de direcção e obrigou ao reposicionamento das forças em presença, os números, a linguagem, o mesmo do ano passado e do outro e do outro... As câmaras registam, o repórter relata, os "sabões" comentam no estúdio, os responsáveis pelo comando do teatro das operações divulgam números e indicam que novas estratégias estão a ser equacionadas.

Vão sobrando alguns, poucos, bocados de floresta que o fogo não consome, graças, na maioria dos casos, à sorte, porque ingredientes não lhes faltam, do mato aos caniços, dos fetos amarelos às ervas enormes e bem sequinhas, tudo à espera que um fósforo os coloque a arder, em conjunto com muitos milhões de euros que, anualmente, se consomem nos combates.

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