quarta-feira, 5 de maio de 2021

Dia Mundial da Língua Portuguesa

Podia ser Eça, Camilo, Jorge Amado, Machado de Assis, Clarice Lispector, Mia Couto, Luandino Vieira, Germano de Almeida, Saramago, Lobo Antunes, Sophia, Natália, Gedeão, Pessoa, Camões, Bocage, Torga e tantos, tantos outros, que poriam o blogue a "deitar por fora".

No ano passado deixei por aqui uns pequenos excertos de livros de seis autores diferentes, mas todos,  claro, de língua portuguesa. Hoje apeteceu-me voltar a Aquilino e a um livro não muito conhecido, do qual possuo uma edição que me precedeu em 8 anos e onde, como sempre, sobressai a beleza e a riqueza da língua portuguesa.

"(...) - Estás a rezar? - ouviu dizer o irmão.

- Reza também. Por alma da nossa mãe ...

Passou o murmurinho pelos lábios do Duarte, pontuado de sibilos como do vento nos buracos do telhado, e ao cabo da oração tornou-lhe a ouvir:

- Darão os dois contos pela regadinha? O cão do Calhorra saiu-se a dizer que a não queria por quinhentos mil réis. Safado! Se me derem menos, grito ó da guarda!

- Se te derem os dois contos não fazem grande favor. Os palitos não custam a dois tostões a caixa? E os ovos? É verdade, tenho para ali duas dúzias, mas só os vendo na feira. À porta eram capazes de dizer que os roubei.

- Pois se me apanho com os dois pacotes!...

- Com que sonhas, porco!? Dorme.

Ficaram calados. Um espiche de ar atravessou a casa, bufou ao borralho, boliu com o quer que fôsse que tinha jeito de papel ou asa de noitibó, escamugiu-se pela gateira da porta depois de percorrer os cantos todos como uma doninha e deixar um frio mortal. Ouviu-se a chuva tamborilar no telhado e nas lajas do caminho. Ferrara-se a chover deveras. Extinguira-se na lata a trasbordar o batuque da gota de água. Tamancos apressados chocalhavam na calçada ... por lá gente que voltava do forno, único na terra, a cozer há oito dias sem interrupção ...

Aquilino Ribeiro
Volfrâmio
Livraria Bertrand (1944)

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