Podia ser Eça, Camilo, Jorge Amado, Machado de Assis, Clarice Lispector, Mia Couto, Luandino Vieira, Germano de Almeida, Saramago, Lobo Antunes, Sophia, Natália, Gedeão, Pessoa, Camões, Bocage, Torga e tantos, tantos outros, que poriam o blogue a "deitar por fora".
No ano passado deixei por aqui uns pequenos excertos de livros de seis autores diferentes, mas todos, claro, de língua portuguesa. Hoje apeteceu-me voltar a Aquilino e a um livro não muito conhecido, do qual possuo uma edição que me precedeu em 8 anos e onde, como sempre, sobressai a beleza e a riqueza da língua portuguesa.
"(...) - Estás a rezar? - ouviu dizer o irmão.
- Reza também. Por alma da nossa mãe ...
Passou o murmurinho pelos lábios do Duarte, pontuado de sibilos como do vento nos buracos do telhado, e ao cabo da oração tornou-lhe a ouvir:
- Darão os dois contos pela regadinha? O cão do Calhorra saiu-se a dizer que a não queria por quinhentos mil réis. Safado! Se me derem menos, grito ó da guarda!
- Se te derem os dois contos não fazem grande favor. Os palitos não custam a dois tostões a caixa? E os ovos? É verdade, tenho para ali duas dúzias, mas só os vendo na feira. À porta eram capazes de dizer que os roubei.
- Pois se me apanho com os dois pacotes!...
- Com que sonhas, porco!? Dorme.
Ficaram calados. Um espiche de ar atravessou a casa, bufou ao borralho, boliu com o quer que fôsse que tinha jeito de papel ou asa de noitibó, escamugiu-se pela gateira da porta depois de percorrer os cantos todos como uma doninha e deixar um frio mortal. Ouviu-se a chuva tamborilar no telhado e nas lajas do caminho. Ferrara-se a chover deveras. Extinguira-se na lata a trasbordar o batuque da gota de água. Tamancos apressados chocalhavam na calçada ... por lá gente que voltava do forno, único na terra, a cozer há oito dias sem interrupção ...
Volfrâmio
Livraria Bertrand (1944)
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