A loja era enorme, pelo menos aos olhos de quem era pequeno. Vendia tudo e tinha, escrito a letras douradas num vidro preto que encimava os armários, o nome da firma e o seu negócio: mercearia e fanqueiro.
À entrada, do lado esquerdo, as tulhas da aveia, das sêmeas, do milho, e o corredor de lata, utilizado para encher o saco dos clientes. O balcão, de madeira trabalhada e envernizada, ocupava toda a largura da loja. Era altíssimo. Tão alto que os olhos só conseguiam ver o lado de lá se o curioso se pusesse em bicos de pés. O tampo também era de madeira, mas só até mais ou menos ao meio. Mudava para mármore no sítio onde estava a balança Avery, que pesava tudo, do grão ao feijão, da manteiga ao toucinho, dos rebuçados ao sabão, azul e branco, está bem de ver. A seguir, aparecia a medidora do azeite e, mesmo no fim, a faca, enorme, de cortar o bacalhau.
Tudo era embrulhado e nada embalado. Meia quarta de café, num pacotinho de papel pardo, dobrado na perfeição, para não se perder pitada. A mesma meia quarta, mas de banha, era colocada pela espátula de madeira no quadrado de papel vegetal e nele embrulhada, para receber depois uma capa do tal papel pardo e ser acabado o embrulho, dobrado com o requinte de quem sabe e o faz com gosto. O azeite era colocado na garrafa do cliente, e podia ir da meia dúzia de centilitros ao litro, sendo esta medida apenas acessível a quem já tinha uma carteira com alguma dimensão ou uma folha do livro com razoável extensão.
Na parede do fundo, em armários com portas de vidro, estavam guardados os tecidos e o material congénere, do cotim à sarja, da chita à flanela, os vários tipos de ganga, os botões, as meias de "fio de escócia", o elástico a metro e as linhas, em carrinho ou em bobina. Os tecidos eram vendidos a metro e, para isso, lá estava o metro de madeira envernizada, quadrado, com a marcação de cada centímetro a traço gravado e, a cada dez, um traço mais fundo e forte, com a indicação do respectivo número - 10, 20, 30, etc..
Numa outra divisão, contígua, havia a balança decimal, a medidora do petróleo, os sacos de batatas, as sacas de adubo e a tulha do enxofre, tudo convivendo com a recente cabina telefónica pública, que permitia as ligações para fora, pagando o preço dos impulsos registados no marcador instalado no lado de dentro do balcão, claro.
Ainda era assim há pouco mais de cinquenta anos. Já nada disto existe e ainda bem ...
1 comentário:
Grande memória! Grande registo mas não diz tudo do local. Também se vendiam novelinhos de linhas coloridas para o croché e picots, que ocupavam os serões das mulheres. 🤣 E a função de posto do correio? Vale outro texto,ó se vale!
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