A aula, talvez devido ao defeito físico do professor, que lhe trazia complexos, e à sua prepotente personalidade, decorria sempre debaixo de disciplina férrea. Nenhum dos alunos podia expressar-se sem ser questionado pelo mestre, não eram admitidas conversas entre eles, um simples olhar para o lado era reprimido de imediato. Carlinhos era um dos que estavam sempre debaixo da mira do docente e a admoestação surgia de imediato e de forma brusca.
- Vamos lá para o suplício do coxo ...
A atenção e a aprendizagem eram constantemente testadas pelo professor, com perguntas feitas de surpresa a todos os alunos, sem excepção nem aviso prévio. O Carlinhos vivia o pesadelo diário de ser um dos contemplados. Sabia bem que a sua desatenção habitual e a pouca apetência para a matéria o tornavam um dos alvos preferenciais. Valia-lhe o sussurro da Isabelinha, sentada nas suas costas e sempre disponível para lhe tentar colmatar as insuficiências.
- Carlos, diga lá como se chamam os ossos da perna.
- Tíbia e perónio, sussurou a Isabelinha.
- Tíbia e perónio, professor António, respondeu bem alto o Carlinhos, rindo-se para dentro da rima surpresa e ouvindo um risinho contido dos seus colegas.
O professor não ficou muito convencido do saber do Carlinhos e, nem cinco minutos passados, voltou à carga:
- Menino Carlos, quais são as partes em que se dividem os membros inferiores?
- Anca, coxa, perna e pé, disse muito baixinho a Isabelinha.
O Carlinhos ficou calado, fingindo alinhar ideias. A Isabelinha repetiu, mais perto e um pouco mais alto.
- Anca, coxa, perna e pé.
- Anda, coxo, põe-te em pé.
- Rua!
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