quinta-feira, 26 de maio de 2022

ESPIGA

O serviço militar obrigatório implicava, na recruta, andar sempre fardado na rua, mesmo para quem tinha o privilégio de estar desarranchado, como era o caso deste escrevinhador, aquando da permanência, curta, no R.I.5.

A folha de cálculo do Excel ajudou-me a verificar que o Dia da Espiga, em 1973, foi a 31 de Maio, quarenta dias após o Domingo de Páscoa, como está determinado na "legislação" que regula estas datas festivas, seguramente muito mais antiga do que aquela que autoriza, nos USA, a venda indiscriminada de armas a qualquer pessoa. Enfim ... depois fazem memoriais a lembrar as vítimas.

Já não recordo os pormenores, mas lembro-me de ter combinado, com três camaradas do pelotão, a ida à Festa da Espiga que, na época, se realizava na Lagoa Parceira e era muito concorrida. A aldeia era relativamente perto da cidade. Hoje está quase ligada.

Fui a casa jantar, desfardei-me e, no velhinho Opel Olympia, lá fomos todos para a bailação da espiga. Os camaradas eram de longe, um de Mirandela, desse lembro-me, Preto de apelido, e os outros também eram da mesma zona, mas já não recordo de onde. Desde que o suplício tinha começado, a 26 de Abril, nenhum deles tinha ido a casa. Na época, de Bragança a Lisboa eram mesmo nove horas de distância, como cantaram os Xutos muitos anos depois. 

Dos quatro, apenas o condutor estava à civil, dando nas vistas pelo cabelo curtinho quando toda a juventude o usava bem comprido e por, nos intervalos das danças - esta série terminou, podem descansar - fazer companhia aos instruendos fardados. Era fácil deduzir que só lhe faltava a farda ...

O Jeep chegou, parou junto à festa e os quatro militares, com a braçadeira PM na manga e o capacete com a mesma indicação (não usavam boina em serviço) passaram os olhos pelas gentes que bailavam. Os instruendos ajeitaram a fatiota, colocaram a boina que estava no bolso e pararam a dança, pedindo desculpa ao par pelo incómodo, forçado pela presença indesejável dos "fiscais". O civil preparou-se para "bater a asa", pela "esquerda baixa". Deu a chave do "bólide" ao único que tinha carta, combinou o local de encontro na cidade e, "ala, que se faz tarde". Por atalhos e carreiros, campos e lameiros, foi num instante que chegou à cidade. Belos tempos, quando correr era fácil, mesmo por becos e vielas.

O carro, com os ocupantes bem uniformizados, chegou daí a algum tempo e sem quaisquer problemas. Os homens do jeep apenas tinham verificado as dispensas do recolher e mandado sair dali de imediato. Os três regressaram ao quartel, na entrada das 23 horas. O outro, felizardo, dormiu em casa. Voltou às sete da matina, como era costume quando não havia instrução nocturna. 

Nessa noite de Espiga até as papoilas murcharam ...

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