terça-feira, 31 de maio de 2022

Ressonar

Raro era o dia em que os olhos não evidenciavam a noite mal dormida. Vermelhos, enormes, quase a saltarem das órbitas, punham a nu a necessidade de permanecer acordado até tarde e a ausência da devida compensação matutina. Afinal de contas, uma noite ainda se aguenta, duas já é muito difícil, três é quase impossível.

Em teoria, vivia sozinho e não tinha como meta procurar companhia definitiva. Já estava perto dos quarenta, usava barbas enormes por achar ser um desperdício de tempo cortá-las pela manhã. Sempre eram mais cinco minutos de preguicite ... Na maior parte dos dias, a gravata vinha no bolso, enrolada, e só era colocada já no local de trabalho, numa ida estratégica à casa de banho, antes que o chefe se apercebesse da falta do apêndice obrigatório.

O desleixo no vestir era visível. Muitas vezes as colegas chamavam-lhe a atenção para a camisa mal abotoada, as calças enrodilhadas ou mesmo sujas, o cinto torcido, as meias do avesso, os sapatos diferentes. Se era possível, naquele dia vinha ainda pior. A noite devia ter sido muito comprida e talvez, até, tempestuosa.

- Não dormiste?

- Tive companhia. Ainda por lá deve estar. Não arranjou poiso por aqui e ofereci-lhe "alojamento". No pouco tempo que ficou para dormir alguma coisa, ressonou. Nunca me tinha acontecido e olha que eu levo alguma experiência. Imagina! Até eu, com o sono que sempre tenho, não consegui dormir ...

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