quarta-feira, 25 de maio de 2022

Palavras bonitas

BALADA DA AMEIXA SECA

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P'ra o intestino a ameixa é levada da breca!

O mal do Ocidente - quem há que não o sinta? -
é não ter a tripa sempre limpa.

Com seus altos valores, o Ocidente
dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
dão melhores guerrilheiros do que nós.

Um saquitel de arroz, uma biciclet',
arma na bandoleira - e lá vai o viet.

<<Noss'povo>>, ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
<<Noss'povo>> já nada tem de marinheiro.

Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
manda cortiça, vinho, diplomatas.

Espera contrapartidas: sol-e-vistas
é cartaz que atrai muitos turistas.

Mas com ameixa seca - coisa pouca! -
é que pode acordar sem amargos de boca.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P'ra o intestino a ameixa é levada da breca!

Tomai lá do O'Neill
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

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