quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Dinheiro

Circunstâncias que não vale a pena trazer, agora, à colação, determinaram a ida à Bordallo Pinheiro, com o intuito de adquirir uma peça para ofertar. Levando cartão ou dinheiro, não é possível sair daquela casa sem algo. Ontem, uma vez mais, a regra foi confirmada.

Espero que o destinatário da peça dela goste e que, sempre que a olhar, recorde a forma como tratou do meu assunto, sendo certo que não conseguirá, nessa recordação, chegar à infinita gratidão que lhe hei-de manter. Numa das peças miradas e remiradas, saltou a referência a um poema de João de Deus, que não conhecia nem consta dos escaparates cá de casa. Fui à "enciclopédia" virtual e de lá o transcrevo, mantendo toda a actualidade de ter sido escrito há 130 anos.

DINHEIRO

Dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o maganão!
Tem tanta graça o maldito,
Tem tanto chiste o ladrão!
O falar, fala de um modo ...
Todo elle, aquelle todo ...
E ellas acham-no tão guapo!
Velhinha ou moça que veja,
Por mais esquiva que seja,
Tlim!
Papo.

E a cegueira da justiça
Como elle a tira n'um ai!
Sem lhe tocar com a pinça;
É só dizer-lhe; Ahi vae ...
Operação melindrosa,
Que não é lá outra cousa;
Cataracta, tome conta!
Pois não faz mais do que isto,
Diz-me um juiz que o tem visto:
Tlim!
Prompta.

N'essas especies de exames
Que a gente faz em rapaz,
São milagres aos enxames
O que aquelle demo faz!
Sem saber nem patavina
De grammatica latina,
Quer-se a gente d'alli fóra?
Vae elle com taes fallinhas,
Taes gaifonas, taes coisinhas ...
Tlim!
Ora ...

Aquella physionomia
E labia que o demo tem!
Mas n'uma secretaria
Ahi é que é vel-o bem!
Quando elle de grande gala,
Entra o ministro na sala,
Aproveita a occasião:
«Conhece este amigo antigo?
- Oh meu tão antigo amigo!
(Tlim!)
Pois não!
 
Poesias lyricas completas
João de Deus
Imprensa Nacional (M DCCC XCIII)

Sem comentários: