segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Promessas

Nos tempos "da outra senhora" eram frequentes as anedotas, à boca pequena, a retratarem e a gozarem com as figuras gradas que faziam e sustentavam o regime déspota que por cá mandou quase meio século.

Desde dizer-se que o Botas mandava fazer casacos sem bolsos por deles não necessitar - mete as mãos nos bolsos dos outros - até aos envelopes redondos que o Tomás queria comprar para poder enviar as circulares, havia para todos os gostos, sempre com alguma graça e crítica feroz.

Contava-se que o Botas era muito esperto e que isso se manifestava desde miúdo. 

- O gajo é fino. Sempre foi!

Quando era criança, teria tido uma doença que fez a mãe desesperar pela sua sobrevivência. Recorreu à Santa lá do Vimioso e prometeu-lhe vender uma cabra e dar-lhe o respectivo valor, se o menino se curasse. Com maior ou menor dificuldade - disso não reza a história - o Botas salvou-se e ficou impecável. A mãe, naturalmente, resolveu cumprir a promessa e agradecer a graça concedida.

- Vais à feira, levas a cabra e o galo que já estão ali separados. Vendes os dois. O dinheiro da cabra é para a Santa e podes ir logo entregá-lo ao senhor prior, a quem dizes que é de uma promessa e que a mãe lhe explicará tudo na missa de Domingo. O do galo será para comprarmos qualquer coisa que nos recorde o milagre de teres ficado bom.

O Botas lá foi. Regressou ao final do dia e entregou à mãe duas notas de cem. Espantada, a mãe reagiu de imediato:

- Então não te disse para entregares o dinheiro ao senhor prior?

- Entreguei, mas só o valor da cabra, como me tinha dito.

- Queres-me fazer crer que o galo valeu duzentos mil réis ...

- E valeu, mãe. A quem me perguntava, eu respondia que só vendia os dois animais em conjunto. Houve um que se interessou e perguntou o preço. E eu disse-lhe: vinte mil réis pela cabra e duzentos pelo galo. Aceitou e eu vendi. Está tudo certo e a promessa cumprida.

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