sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Passadeira

Estou quase a chegar ao cruzamento e apercebo-me que ele vem lá. Páro antes da passadeira e aguardo. Aproxima-se e o cão que o conduz estaca, no passeio. Olha atentamente para os dois lados da rua. Do sul, estou eu no primeiro carro. Do outro lado, uma outra viatura ainda faz a rotunda. O cão espera até verificar que a paragem se concretiza.

Agora pode ser. Avança e conduz o dono em segurança. Impressiona. O homem deverá ter cerca de 40 anos. Conheço-o, de vista, desde miúdo, quando ainda não era totalmente cego, embora já usasse uns óculos com lentes grossas. Trabalha num supermercado da cidade e já não usa óculos há muito tempo. Vai para o trabalho de autocarro, sempre acompanhado pelo fiel companheiro. Não tenho a certeza, mas julgo que já não terá nenhum familiar directo. Tem o cão, que um dia, pela certa, também lhe irá faltar.

Talvez surja outro cão tão dedicado quanto este e a vida continue. Há situações que custam muito a digerir a quem vê bem ...

1 comentário:

Anónimo disse...

Diria, melhor: "Há situações que custam muito a digerir a quem vê bem"... com o coração. Pelo menos, desta vez, alguém não foi indiferente.