quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Carta de despedida

Vou-me embora!

Estou farto de ser vilipendiado por toda a gente, que se revela torpe e mal educada, enxovalhando-me na via pública, nas conversas mais restritas, nas rádios, nas televisões, nos jornais, nas redes ditas sociais e, vejam só, até nas novas plataformas de conteúdos televisivos e/ou cinematográficos. Estou cansado. Ninguém tem uma palavrinha de conforto, um afago, um carinho, nada.

Depois de por cá ter permanecido 366 dias (sim, porque eu sou bissexto) a tentar cumprir os objectivos que me foram traçados, eis-me a chegar ao fim sem uma única pessoa a reconhecer o esforço que fiz, mesmo que esse esforço tenha sido inglório, improdutivo e, nalguns casos até, infame. Novos e velhos, crianças e adultos, ninguém, mas mesmo ninguém, deseja sequer olhar para mim a direito. E todos fazem votos para que o meu substituto seja melhor do que eu e me faça desaparecer rapidamente do calendário, refrescando-o como o Marcelo fez ao Palácio de Belém.

Estou triste, mas compreendo. Não tive culpa nem tenho problemas de consciência. Fiz o que pude. Quis o destino que me calhasse a mim, eu que até tinha um nome giro - dois mil e vinte para uns, vinte vinte para outros - e me preparava para ficar na história da terra de Camões como o ano em que o calote do país tinha diminuído e que os horizontes da melhoria se consolidariam, acabo a ser corrido por indecente e má figura, com tachos e panelas a bater, gritos e ralhos, escritos e esconjuros, tudo dentro de casa, e a ser completamente varrido dos pensamentos positivos que, em alguns, ainda possam existir.

É triste chegar ao fim de um ano de trabalho e constatar que, quando a história me recordar, escreverá, com letras bem grandes, que fui um ano para esquecer!

Desculpem. Ainda me resta alguma força e um mínimo de dignidade, essa coisa tão arredia que muitos desconhecem, para desejar que o meu sucessor 2021, apesar de não ter um nome tão bonito quanto o meu, seja melhor e vos dê o bem-estar e o sossego que eu não fui capaz.

Até nunca mais e votos de melhores dias. 

O vosso odiado 2020.

1 comentário:

casulo disse...

não digas a ninguém mas, apesar das desgraças, trouxeste-me muitas coisas boas e inesquecíveis ;)