"(...) Nos últimos dias de Outubro, ainda fazia calor: o ar sabia a algas e a flores; e as senhoras que passavam sob o balcão de Anania vestiam de musseline e de tecidos leves. Afigurava-se-lhe encontrar-se num país encantado, e o ar balsâmico e enervante, e as comodidades novas do seu quarto, e as doçuras da nova vida, davam-lhe uma sensação de moleza e languidez. Foi invadido por uma espécie de sonolência voluptuosa: tudo lhe parecia belo e grande, e, ao recordar o lagar e as sujas figuras que nele se juntavam, perguntava a si próprio como pudera viver lá durante tanto tempo. A vida humilde dos seus próprios vizinhos continuava decerto o seu curso melancólico, enquanto aqui, nos cafés, resplandecente e, nas ruas luminosas, nas altas casas batidas pelo sol, pelo vento e pelo reflexo do mar, tudo era luz, alegria, poesia.
A chegada da primeira carta de Margherita aumentou a sua alegria de viver: era uma cartinha simples e terna, escrita numa grande folha de papel branco, numa letra redonda, quase masculina. Na verdade, Anania esperava uma carta azul, com uma flor metida num envelope; no primeiro instante, pareceu-lhe que Margherita quisera fazer-lhe sentir a sua superioridade e mostrar o desejo de o dominar; mas depois, pelas expressões simples e afectuosas da rapariga, que parecia continuar com aquela carta uma longa e ininterrupta correspondência, apercebeu-se de que ela o amava sinceramente, com ingenuidade e com força, e experimentou uma doçura inexprimível.
Ela escrevia:
Todas as noites fico longas horas à janela, e parece-me que tu vais passar de um momento para o outro, como costumavas fazer antes da tua partida. Entristece-me muito esta separação, mas consolo-me pensando que tu estudas e preparas o nosso futuro.
Depois indicava-lhe para onde deveria dirigir a resposta, e pedia-lhe o maior segredo, porque era natural que a família dela, se viesse a ter conhecimento do seu amor, o contrariasse.(...)"
Grazia Deledda
Sibila Publicações (2018)
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