domingo, 7 de novembro de 2021

Distâncias

Eram tio e sobrinho, donos de considerável fortuna em terras situadas em concelhos diferentes, e viviam a cerca de trinta quilómetros um do outro. Para a época era uma distância significativa, embora não fosse essa a causa de não se verem e falarem há vários anos. Uma zanga enorme, sobre negócios, tinha dado origem a esse afastamento e ambos sabiam que seria muito difícil eliminá-lo. A teimosia era uma qualidade que ambos cultivavam com denodo.

Os anos passaram e o tio, já viúvo e velho, sem filhos e apenas com aquele sobrinho como família, sentiu a saúde a ir embora e o fim a aproximar-se. Resolveu quebrar o orgulho e, à falta de telemóvel ou sequer telefone, chamou um servo e disse-lhe:

- Vais à quinta do meu sobrinho e dizes-lhe que eu quero e preciso de falar com ele. Com urgência.

O homem aparelhou o burro e fez-se à estrada. O caminho era longo, o recado importante e o tempo urgia. Chegou à quinta por volta da hora do almoço, do senhor, claro, que ele tinha levado um bom naco de pão e um bocado de chouriço, num saquinho de pano onde "morava" a garrafinha que o patrão tinha enchido do seu tonel particular. A tarefa era delicada e mereceu atenção especial de quem ordenava.

Depois de dizer ao criado de fora, que o recebeu, quem era e ao que vinha, aguardou um bom bocado no largo fronteiro à porta de entrada, até que viu surgir o sobrinho. Vinha com cara de poucos amigos e, sem demoras, despejou a frase, sem sequer responder com uma pequena saudação à retirada do boné e ao cumprimento reverencial:

- Diz lá ao senhor meu tio que é tão longe daqui lá como de lá aqui.

No dia seguinte, o tio deslocou-se ao tabelião da vila e fez testamento a favor do seu feitor.

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