domingo, 14 de novembro de 2021

Livros (lidos ou em vias disso)

Não sou um especialista em literatura, muito menos escritor, e tenho extrema dificuldade em fazer crítica ou sintetizar um livro. Sou, e quero continuar a ser, apenas um leitor. Que já leu muito, que continua a ler diariamente e que raramente larga um livro sem chegar ao fim, ainda que contrariado ou com dificuldades.

Gosto de me manter actualizado com os autores que escrevem em português, para usufruir das subtilezas da língua, normalmente difíceis de serem conseguidas em traduções, e por me parecer que existem grandes autores na língua portuguesa, alguns dos quais passam ao lado das parangonas e dos críticos "encartados". Teresa Veiga, pseudónimo de alguém que não conheço e nem sequer sei se é homem ou mulher (como se isso tivesse alguma importância), é um deles. O seu último livro já foi lido e, tal como os anteriores, valeu a pena. 

"(...) Resolvi que ia esperar pela noite sentado num banco de jardim e escolhi um, meio escondido sob a ramagem de uma árvore, abrigado à sombra tutelar da torre da igreja, numa praceta sossegada onde não se viam cães nem crianças, longe do bulício do centro e com uma vista admirável sobre o mar por se situar no ponto mais alto da vila. Durante alguns minutos fiquei a ver o mar passar por vários cambiantes de cor até se aquietar e cobrir-se de uma capa cinzento-esverdeada, como se estivesse a preparar-se para acolher a noite e mergulhar no sono. Tarde demais, verifiquei que me enganara. Quase na minha frente, num outro banco que não beneficiava de vista de mar e que eu ignorara instintivamente, estava sentada uma mulher, completamente imóvel, que já lá devia estar quando eu chegara sem que me tivesse apercebido da sua presença.

Por acaso eu lera recentemente uma novela em que a protagonista era uma mulher com poderes maléficos que esperava o cair da noite para se refugiar num recanto obscuro e aguardar, no maior silêncio, que a vítima fosse sugada pela força centrípeta dos seus encantos. Encostada a uma árvore, ou sentada num muro, muito direita e de olhos baixos, olhava sem ver, aparentemente naquele estado de apatia que corresponde a um alheamento total da realidade. (...)"

O senhor d'Além
Teresa Veiga 
Tinta da China (2021)

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