quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

1939/1945 ou 2022?

"(...) Ao sair do sepulcro sentiu uma dor lancinante no ombro esquerdo. Tinha o osso deslocado e uma ferida muito feia, provocada pelas pedras que lhe haviam aberto um buraco na parte superior do braço onde cabia a ponta de um dedo. Doía-lhe muito, mas sempre resistira bem às pancadas. Lazlo, que tinha sobrevivido ao bombardeamento por pura sorte sem a colaboração dos intestinos nem a intervenção de uma viga salvadora, ligou-lhe a ferida conforme pôde e foram à procura dos enfermeiros. Não os encontraram. Poucos eram os sobreviventes e, entre eles, nenhum oficial. O ordenança do comandante disse-lhe que na última vez que o viu ele estava reunido com os outros chefes em volta de uma mesa, no único quarto que mantinha o tecto. Tinha-lhe mandado trazer cigarros e aquele pedido salvara-lhe a vida. Quando voltou, com dois cigarros russos que tinha roubado a um sargento, encontrou apenas um túmulo de pedra gigantesco, sem qualquer indício de vida sepultada. O privilégio de viverem sob um tecto tinha exterminado os oficiais num instante.

Num posto de socorro improvisado junto das ruínas de um hospital, um médico encaixou o osso de Adrián, tratou-lhe da ferida e enfaixou-lhe o braço ao peito. Enquanto o instruía sobre como o manter o melhor possível, Lazlo entrou no edifício e regressou com duas aspirinas que conseguira requisitar de pistola em punho. O médico não teceu comentários sobre o procedimento. Aconselhou Adrián a tomar só uma e a guardar a outra para mais tarde, recomendando-lhes que voltassem para o quartel à espera de novas ordens. Quando regressaram ao palácio, já entardecia. Durante todo o dia só tinham comido uns pedaços de pão conseguidos à força, impondo-se a uma multidão que assaltava as ruínas de uma padaria, mas até nisso foram afortunados porque os companheiros jejuaram todo o dia.(...)"

Os doentes do Doutor García
Almudena Grandes

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