sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Calçada

Anafado, barriga proeminente, poucos cabelos e todos brancos, arrasta uma das pernas com muita dificuldade, auxiliado pela muleta que apoia no braço direito. À vista desarmada, (que raio de expressão, como se fosse possível usar canhões em vez de óculos ou lentes de contacto) parece ter sofrido uma intervenção cirúrgica - operação era antigamente - na anca, tal é a patente cautela com que se desloca.

Os olhos vão atentos a tudo o que lhe possa provocar algum desequilíbrio. A calçada é traiçoeira e deixa pedras acima do nível, arranjando forma de o mais incauto tropeçar sem dar por isso. É a maneira de se vingar por estar por ali apertada e ter levado umas valentes marteladas antes de lhe darem o poiso definitivo. Não vê mais nada à sua volta e, mesmo na passadeira, as cautelas com o trânsito não diminuem as que tem com o solo. Cautela e caldos de galinha ...

Parece ter um destino concreto, não anda à deriva, tem objectivo na caminhada. Nota-se à légua (outra expressão já sem sentido algum: quem é que, agora, consegue ter cinco quilómetros de horizonte silencioso?). Chegou ao destino. Entrou na loja, talvez vá comprar peúgas, ou meias, ou camisolas interiores, de alças ou mangas, talvez de mangas, brancas, de certeza. Está frio e a idade não convive bem com ele.

Quentinho, talvez a anca melhore depressa e ainda volte a correr. Quem sabe!?

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