"(...) À maioria faltava-lhe a curiosidade e, além disso, quem é que entendia suficientemente a língua hebraica? Quem sabia mais do que ler as palavras sem conhecer o seu sentido? Na melhor das hipóteses, as pessoas encantavam-se com a sua música, mas não com o seu significado.
- Há séculos, disse ela, as coisas superiores e importantes eram exclusivo dos homens. Ainda nos tempos de hoje isso se ressente. Só os homens são chamados para pegar nos rolos da tora e para ler os textos. Onde alguma vez se viu um rabino ou um cantor de sinagoga de saias? Mas basta. Agora já sabes porque é que nós duas ficamos cá em cima, isoladas dos homens.
Tirando os sermões sobre o que era prático e económico, nunca a avó me explicara tanta coisa de uma só vez. E, facto estranho, nas faces pálidas surgiram-lhe manchas vermelhas que faziam lembrar rosas murchas.
- Os homens ainda agora têm mais importância do que as mulheres?, perguntei.
- Enfim, as coisas já estiveram piores. Espero que se dêem grandes modificações, até tu seres rapariga crescida.
Era deveras emocionante ouvir falar assim a avó Ester. Eu precisava de aproveitar aquela ocasião para ficar a saber mais sobre o assunto. Mas pousou o dedo nos lábios, o que queria dizer que me devia calar.
De noite tentei continuar a conversa com o avô, que, no entanto, não parecia interessado.
- Achas que a tua avó não tem importância nesta casa?, perguntou, e deu uma risada seca.
Oh, sim, era verdade: a avó Ester era a pessoa mais importante em nossa casa. Limpava, cozinhava, lavava a roupa, guardava o dinheiro, destinava os gastos e dava ordens. O avô chegava a mentir, de tanto medo que tinha dela. Mas, mesmo assim, tudo isso nada tinha a ver com o que a avó me dissera naquela tarde. (...)"
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