quarta-feira, 8 de junho de 2022

Paula Rego

Faleceu hoje, em Londres, aos 87 anos, determinando o fim de uma vida cheia e marcante.

Nunca "quis" adquirir qualquer obra sua, "apenas" por receio de que as paredes não suportassem o seu peso de artista enorme, e irreverente, como irá ser recordada no futuro. 

Para além da grande qualidade que os meus olhos, pouco conhecedores, diga-se, tiveram o prazer de apreciar ao vivo, numa visita à Casa das Histórias efectuada logo após a sua inauguração (2009) e uma outra grande exposição em Serralves, fica para sempre a força dos seus quadros e das personagens retratadas.

Do "espólio" cá de casa faz parte uma pequena reprodução de um quadro, cujo peso a parede conseguiu suportar, e uma edição do livro As Meninas, de Agustina Bessa-Luís, ilustrada com imagens de muitas das suas obras.

(...) - Não sei como pintar o chão - diz ela. Parece gostar de pôr as pessoas dependentes das suas dúvidas, erros, experiências em movimento, instáveis. As pessoas correm a ajudá-la, dão-lhe conselhos. Isso diverte a menina.
Era no tempo radioso de Walt Disney, das suas travessuras, do coelho Tambor a fazer a corte à sua coelha duma maneira hilariante. Ela ria-se, no escuro da sala sentia-se sozinha como ela gostava.
- Como hei-de pintar o chão?
- Fazes assim, assim, e o chão fica pintado - disse Vic. Paula ouvia-o com amor. Mas não era dum conselho que ela estava à espera, era de atenção, a atenção um pouco gulosa que se tem pela criança que está a crescer. Ela estava a crescer, D. Violeta não dava por isso. Queixava-se à mãe, batia-lhe nos dedos com a régua. A dor sobressaltava a menina. Por isso perguntava sempre:
- Como hei-de pintar o chão? (...)
As Meninas
Agustina Bessa-Luís
Três Sinais Editores (2001)

1 comentário:

Artur Henrique Ribeiro Gonçalves disse...

Paula Rego é para mim uma figura de referência há pelo menos meio século. Tê-la-ei visto pela primeira vez com olhar de ver em Lisboa na Galeria 111 e um pouco depois na CAM da Gulbenkian. Apercebi-me da sua dimensão internacional em Londres, quando a vi exposta com grande destaque na National Gallery. As paredes cá de casa continuam despidas de qualquer reprodução da sua arte de pintar histórias. Em contrapartida, expus religiosamente no meu gabinete de trabalho o cartaz concebido pelas Galerias Trem e Arco de Faro para dar visibilidade à exposição realizada em 1993. Ali o deixei à vista de quem o quisesse ver quando me retirei das minhas lides laborais em 2018. Um dia destes vou encarregar as «Histórias d’Arthur d’Algarbe» de voltarem ao assunto com um pouco mais de vagar...