terça-feira, 28 de junho de 2022

Ilegalidades

Era a época de Natal.

Naquele dia, o tableau de bord determinava que se fizesse a entrega da agenda do ano seguinte e também de uma umbrela com a indispensável publicidade, a alguns dos melhores clientes do banco. Era uma tarefa anual, desempenhada sempre com algum recato e outro tanto de pressa, o primeiro para que não houvesse ciumeira, a segunda por serem horas roubadas ao trabalho normal, que não era pouco e se ressentia, obrigando aos habituais prolongamentos, muito para além da hora legal de encerramento. Sem horas extraordinárias, acrescente-se. Eram contempladas no subsídio de isenção e nunca seriam para ali chamadas, embora o que era recebido estivesse longe de remunerar o trabalho a mais.

O dono do restaurante era um dos eleitos, não só pelos seus predicados na conta pessoal, como também pela rentabilidade que era oriunda da actividade da comezaina. Foi dos últimos a ser visitado naquela manhã, por não ser madrugador e ser difícil encontrá-lo antes das onze.

O estabelecimento, no centro da cidade, não tinha estacionamento reservado e situava-se numa rua onde não era fácil encontrar um lugar. A visita seria "de médico" e, por isso, o carro foi deixado frente ao portão do prédio contíguo, de onde nunca tinha calhado ver sair uma viatura. Ao voltar, um engravatado como eu mas mais velho e mais alto, estava encostado à viatura. Percebi a bronca de imediato.

- Desculpe. Foi só um instante. Nem demorei dois minutos ...

- Não viu a placa? Posso mandá-lo prender.

- ???

- Sou juiz, moro aqui e até nem preciso de sair, mas não admito que violem a lei na minha casa. 

Não mereceu resposta. Virei-lhe as costas, meti-me no carro, dei à chave e lá fui, de regresso ao trabalho que me esperava e não devia ser pouco. Já lá vão muitos anos e, até hoje, não recebi qualquer mandado de detenção pela violação da lei do senhor juiz, mas nunca se sabe. A justiça demora tanto ...

O resto das entregas ficaria para o dia seguinte, sem estacionamento indevido, para não correr o risco de ser mandado prender por um qualquer julgador cioso dos seus direitos.

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