segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Aritmética

No início acontecia de vez em quando. Duas, três vezes por semana, nunca até muito tarde e sem abuso de copos. A pouco e pouco, o que era excepção passou a rotina e, no final de cada dia de trabalho, ao primeiro copo com um colega seguiam-se muitos outros, com um companheiro de ocasião, um cliente já conhecido da tasca, um que vinha pela primeira vez e necessitava de ser incluído. Umas rodelas de chouriço, uma saladinha de polvo, uns bocadinhos de orelha com oregãos, uns tremocinhos, uns amendoins, e o copo sempre cheio.

A bebedeira não tardava e o regresso a casa acontecia cada vez mais tarde. O hábito de jantar foi desaparecendo, o de encontrar a mulher acordada também. A casa passou a ser apenas local de pernoita, e breve.

Naquela noite, chegou um pouco mais cedo e, como sempre, trôpego da carga. Dirigiu-se à cama e pareceu-lhe que o espaço vago era estreito para albergar o seu corpo meio torcido. Desconfiado, deitou-se.

- Um, dois, três, quatro, cinco, seis, contou.

- Estou muito bêbedo ... dois meus e dois da minha mulher são quatro.

Saiu da cama. Arrastou-se até ao fundo e, agora com as mãos, contou de novo.

- Um, dois, três, quatro. Certo! Dois meus e dois da minha mulher.

Voltou a deitar-se e nova dúvida aritmética.

- Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Está mal! Bebi assim tanto?

Levantou-se de novo, arrastou-se até ao fundo da cama, segurou-se bem e contou de novo.

- Um, dois, três, quatro. Certíssimo! Dois meus e dois da minha mulher. Vou dormir que o meu mal é sono.

Acordou tarde e ficou surpreendido por não haver mais ninguém na cama. Chamou. Ninguém respondeu. Levantou-se, foi à cozinha, passou pela casa de banho, espreitou a sala, nem vivalma. A porta da rua estava aberta ... nunca mais teve dúvidas na contagem.

A partir daquela noite, passou a haver apenas dois pés na cama!

1 comentário:

Artur Henrique Ribeiro Gonçalves disse...

Uns copos a mais ou a menos e uns pés a mais ou a menos. Às vezes acontece com umas rodelas de chouriço a mais ou a menos. Um apontamento inesperado em final de dia ou de noite noite. A aritmética a proporcionar-nos de vez em quando a estas contas rotineiras de mais e menos...