sábado, 13 de agosto de 2022

Livros (lidos ou em vias disso)

Ler foi, é e deverá continuar a ser por muito tempo, espero, um dos meus passatempos favoritos, ao qual dedico diariamente uma boa parte do meu tempo livre com grande prazer. Com frequência sou surpreendido por livros sobre os quais não tinha uma expectativa elevada e, afinal, revelam-se uma enorme e agradável surpresa.

É o caso do que actualmente estou a ler, ou melhor, a devorar, tal é o interesse que me está a despertar.

"(...) A economia doméstica funcionava na base da poupança e da reciclagem. A roupa passava dos mais velhos para os mais novos, por exemplo, do meu irmão para mim. Fatos antigos e gastos do meu pai eram oferecidos aos membros mais necessitados da família, e depois adaptados ao novo corpo. Coisas velhas, avariadas ou partidas não se deitavam fora; antes eram recicladas e/ou remendadas ou passajadas. Lembro-me de ouvir a mantra do <<Guarda o que não presta, acharás o que é preciso>>. Aplicavam-se cotoveleiras às mangas de casacos e camisolas poídas pelo uso, e novos fundilhos aos calções gastos; viravam-se punhos e colarinhos às camisolas coçadas do meu pai; os sapatos levavam tacões, biqueiras, meias-solas ou solas inteiras novas; os tachos e os vasos de barro rachados eram apertados com os <<gatos>> de aço; o latoeiro itinerante substituía os fundos dos tachos metálicos rotos; havia quem soldasse os dentes partidos de garfos, e as facas eram afiadas pelo amola-facas-e-tesouras que todas as semanas fazia a ronda do bairro. O curioso é que ainda encontro muita desta economia de reparação na Nova Iorque actual, emblema do capitalismo. Conheço lojas especializadas só em torneiras ou em aspiradores, com peças e acessórios de modelos quase centenários!

Contava-se então a anedota das poupanças domésticas do ditador Salazar, que em começo de carreira académica ainda usaria talheres quebrados e facas desencabadas. Quando tomou conta do poder e subiu a Presidente do Conselho de Ministros, a governanta, Dona Maria, ter-lhe-ia dito que era tempo de renovar o faqueiro. Ao que Salazar terá respondido: <<Até aqui servi-me dos (talheres) partidos; a partir de agora passo a usar os soldados>>. E assim foi: mandou soldar os talheres em falta, os partidos políticos foram proibidos, e a supressão das liberdades assegurada pela tropa e forças paramilitares. (...)"

Mocidade Portuguesa
Jorge Calado
Imprensa Nacional (2022)

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