A paragem do autocarro estaria a, sensivelmente, um quilómetro do sítio onde moravam e era o limite para os seus passeios mais ou menos diários. Eram mãe e filha, respeitavam-se muito, mantendo a distância e eliminando as confianças impróprias e contrárias à "boa educação". Falavam, ou melhor, sussurravam de forma quase imperceptível tornando muito difícil que outros pudessem entender o que diziam.
Para além de o volume das vozes ser extremamente baixo, cada palavra demorava uma eternidade a ser soletrada. Uma frase pronunciada por uma, só era entendível pela outra após terem percorrido umas boas dezenas de metros, sem pressas, como convém a quem já evidenciava algumas dificuldades de locomoção e tinha tempo de sobra para chegar ao destino.
A noite anterior tinha trazido muita chuva, os buracos da estrada ainda mantinham as poças de água, confirmando a violência com que S. Pedro tinha despejado os penicos do céu.
- Óóó ... mãããe ...
- Siiim ... fiiilha
- Oooolhe ... Saaabe ...
- O quêêê ... fiiilha?
- Uuuuma deeesgraça ...
- Que aconteeeceeeuuu?
- Mooolhei um pééé
- Mooolhaste um pééé, fiiilha?
- Siiim ... mãããe
- E agooora?
- Teeemos de voooltaaar a caaasa.
- Aaachas?
- Siiim ... mãããe
- E pooorquêêê?
- Teeenho o pééé tooodo mooolhado
- Ah ... entããão vaaamos
- Siiim ... mãããe
- Pooodes reeesfriiiar
- Pooois
O passeio ficou por ali e consta que, quando chegaram a casa, o pé já estava enxuto.
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