Uma editora nova, um autor desconhecido e a vontade, sempre presente, de desvendar e ser surpreendido. Comprei dois livros, de autores diferentes e a editora ainda me ofereceu um terceiro, de um outro escritor que também não conhecia.
Os contos que estão a ser lidos a grande velocidade são uma delícia e a prova provada de que o português é uma língua maravilhosa e não tem fim. Já perdi a conta às palavras que nunca tinha lido ou ouvido e para as quais foi inevitável o recurso ao dicionário.
"(...) No Bodo do Espírito Santo, manhã cedo, Calistra foi para a cozinha e preparou um cento daquelas maravilhantes guloseimas. Queria que todas as irmãs também fossem contagiadas por aquela paixão que o pastor lhe despertara.
Aparelharam-se as mesas no refeitório para receber os doces e as confeiteiras rivais. De um lado ficava a comitiva do Mosteiro de Estevães e diante o Convento de Sant'Ana. Nos topos as respectivas madres. Pouco depois, a irmã Francelina e a irmã Calistra começaram a colocar sobre a mesa as suas culinárias engenhosidades, cobertas com panos da mais fina cambraia, para que os olhos não começassem cobiçosos a sua avaliação.
Por fim, quando as travessas foram destapadas, logo as presentes perceberam a avultada diferença existente entre as iguarias apresentadas a julgamento. Irmã Francelina ostentava vários pudins de ovos, firmes, luzidios e morenos, com um tamanho superior aos pequenos, frágeis e modestos doces da irmã Calistra. Logo ali principiaram os alvitres e, olhando para Calistra, a madre Ermelinda carregou o sobrolho, revelando a desilusão e o desagrado que aquele cenário de hecatombe lhe provocava.
As irmãs de ambas as trincheiras deram início à gulosa contenda, degustando à vez um e outro pitéu e, todas à uma, renderam-se aos humildes e enjeitados doces de Calistra. Faltava, porém, o veredicto da abadessa de Estevães que, em êxtase, se deliciava a cada pequena dentada, lambisqueira, entregue de corpo e alma ao culinário engenho de Calistra. Sumo pecado.
Quando finalmente ditou a sua sentença ouviram-se vivas ao génio da irmã confeiteira de Sant'Ana. Conquistara a palma, pertenciam-lhe os louros.
- Como foi baptizado este pequeno prodígio?- questionou a abadessa do Mosteiro de Estevães. - Por muitos anos que viva nunca irei esquecer.
Calistra não o crismara ainda, não pensara nisso. Só o belo pastor tinha lugar no seu pensamento.
- Brisas - disse, soluçando. - Brisas do Lis.
E assim, de um amor nunca declarado, nasceu esta especialidade culinária de Leiria, para benção do nosso corpo e leveza do espírito."
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